segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
Pensamentos Divergentes (nº335)
Se um dia
esta poesia
ou espécie de cacofonia redundante
me entrar de rompante pela porta,
alguém que me espante o grilo falante
- que o espezinhe, esfole e deixe a casca morta,
que chame a sua mãe para descompor o agiota,
qualquer coisa que deslembre
ou desmembre a reles rima que ele arrota.
É que a cepa já vai torta
e é certa a hora, como agora,
em que já ninguém o suporta.
Pensamentos Divergentes (nº334)
Sempre que o tempo pára,
olho.
Não é a mão que se move
nem o corpo que se agita.
É a folha de nada lá fora.
E eu olho.
domingo, 19 de janeiro de 2014
Pensamentos Divergentes (nº333)
Não entendi se falavas português,
ou qualquer outra melodia incompreensível.
Como se as tuas palavras fossem chaves de ouro
e os meus ouvidos não tivessem a forma correcta para as ouvir.
É que eu não acredito em anjos.
Louvor
A parte difícil não foi dizer adeus. Foi dizer tudo o que não fosse adeus, naquele momento em que todas as coisas se tornam claras. E ao fazê-lo, perdem o seu sentido.
E eu que sempre fui uma flausina dos tempos vagos, um romano erguendo labaredas fúnebres aos deuses do desespero. E mais outras metáforas presunçosas que o tempo me permitiria ter se não fosse curto o meu talento.
E tu, uma paz de alma. Sempre descansada. A Santa Imaculada da Paciência. Sempre calma, sempre composta. Foda-se, não imaginas como isso sempre me irritou, mãe. Tu e a merda da calma. Dizias que a irritação era desnecessária, que tirava anos de vida. De que te serviu isso afinal? Morta e enterrada na porcaria do chão. De que te serviu a calma? Morta aos 54 anos, todos eles à espera de ser nascida. Nunca vi uma emoção tua maior que o zumbido de uma melga anémica. E eu a fazer merda desde que te chegara aos joelhos. Para ver se ressuscitavas, se arrancava de ti o mínimo murmúrio de ira - de qualquer tipo de paixão - que provasse não estarmos a ser criados por um robô. Afinal, como toda a gente sempre disse, eu saí ao pai não é? E foi por tua causa que ele nos deixou, mãe. Nem consigo imaginar como terá sido para ele tentar reanimar o coração de um cadáver, deitar-se todas as noites ao lado de uma mulher frígida do corpo até à alma.
Ele deixou-nos. E tu deixaste-nos quando? Nem o luto foi algo que me deixaste. Foi preciso chegar este momento para saber que da minha mãe, ou noção de uma, já eu tinha lamentado a perda. Há muito tempo.
Vai para a merda, mãe.
Descansa em paz.
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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014
Carta que a Musa me escreveu
Faz isto.
Faz aquilo.
Não é nada disto.
É isto mas não chega.
Faz aquilo.
Não é nada disto.
É isto mas não chega.
Birrinhas de merda, é o que és. Ando eu aqui a tentar fazer algo pela espécie de coisa a que chamas de vida enquanto tu fazes o check obrigatório aos dias que passam.
Fizeste o teu trabalho? - Check.
Viste o correio? - Check.
Limpaste a cozinha? - Check-mate filho da puta, que até a
merda do microondas limpaste canto-a-canto. Que é que tu queres mais? Escrever Os Lusíadas do séc. XXI
de trás para a frente em pé numa Moto 4? Vai dar banho ao cão! - Check.
Ainda vais acabar na calçada com meio-chinelo no pé que te
resta, como o sem-abrigo na Avenida que a esta hora declama a sua demente
poesia a qualquer grupo de estrangeiros com um doze avos de português e que estejam
para o aturar. E tu aqui de papo para o ar a resmungar com a alma que tens,
porque nem o mundo inteiro de mão beijada te chegava para enganar a fome, a ganância,
a gula ou o que tu lhe quiseres chamar. Mas olha, pega aí no dicionário para ver se encontras
um sinónimo mais erudito para gula. Ou queres passar por parvo em frente da meia-dúzia de gatos pingados que tentam dar noção aos teus tristes devaneios que não são mais do que fruto do acaso? Nem a merda da cara és capaz de dar, como um cobarde que se esconde por detrás de um muro de palavras só para ver se a frase seguinte consegue esconder um pouco a verdade da anterior. Pim.
Não vai, nem racha. E achas que entretanto, por o teu coração se acalmar, que o trabalho está feito. Porque deste a esta febre de escrever aquilo que ela cria. (Verifica as vezes que quiseres, a última palavra não é um erro). Porque deste cedência de passagem a esta máscara que não é se não uma compulsão. E ficas satisfeito, porque há quem o tome por uma coisa chamada de Arte.
Quando tudo isto é pânico.
Tudo é ilusão.
Nada mudou.
Tudo se destrói.
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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Coisas Que Um Gajo Coiso (nº661)
É sempre a mesma coisa. Um gajo começa o ano com o pé esquerdo e passa o resto do ano a saltar ao pé coxinho com o direito a ver se equilibra.
domingo, 5 de janeiro de 2014
Pensamentos Divergentes (nº332)
Eu disse que via as vantagens de uma vida bem vivida.
Não disse que as via para mim.
Por isso antes que me falhe a voz, ou a laringe, ou um rim,
a propósito do meu estilo de viver
e dos meus limitados mas marcantes vícios,
tenho apenas para vos dizer dizer:
Aprecio as vossas preocupações e antecipadas condolências.
Mas estou a fazer patinagem artística nas carcaças de sapateiras gigantes
enquanto conto num relógio de segundos sem segundas intenções,
as minhas abstinências de sono
mas nunca as de sonhos e suas seduções.
Esses, pingam-me periclitantes da testa
sempre que o dia-a-dia me baixa os seus calções.
Corrida
Enquanto tu saltavas trampolins em fogo, eu era um cavalo com três pernas. E apenas uma delas era para correr. Todo eu era tudo o que bafejava quietude, quando por dentro só respirava fugir. E tu esmagavas o crânio de gafanhotos na tua mão por tentarem alcançar mais o céu que tu. Por se atreverem a imaginar ter algo que tu não tinhas, como se alguma vez tivesses vontade de o ter. E isso fez com que todos se apaixonassem por ti, como soluços de atacadores soltos pelo caminho. E todos te queriam perto por irradiares essa força interna que parecia aquecer os outros à tua volta e dar um novo cobertor para tapar os olhos à vida. Até mesmo eu. Porque de todas as emoções, a crueldade é a mais forte das que não se sentem.
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