quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Fantasmas e outros filmes


Quando soube que o Cinema King ia fechar tive um assombro. Não de espanto porque isto é daquelas notícias que quando surgem não admiram ninguém. Foi memória.

A última vez que fui ao King foi com uma ex-namorada da altura. Digo "ex" porque o que tínhamos nesse dia eram os estrebuchos finais de uma relação. Um amor moribundo ao qual recusávamos a eutanásia por medo da solidão.

Vimos um filme francês horrível do qual não me lembro o nome. Qualquer coisa sobre relógios, talvez. Todo o filme rodava à volta de um casal, as únicas personagens existentes. Ele um homem de meia-idade. Ela um fantasma - a amante morta que o assombrava dia após dia através da normalidade da sua relação. 
Durante metade do filme assistíamos a monólogos e diálogos que iam do mais profundamente banal até ao mais superficialmente existencial. Durante a outra metade víamos cenas de sexo, que na verdade se tratava do homem a fazer amor com alguém que não estava realmente lá.
E agora é quando surge a questão à música de David Bowie. O filme ou era mesmo mau ou então era só uma seca por ser tão parecido à minha vida naquele momento.

Fosse qual fosse a realidade, a verdade é que no final desse dia disse-lhe que tinha a sensação que aquela podia ser a última vez que nos víamos um ao outro. Coisa que foi verdade. Até deixar de o ser. Mais ou menos.
Passado um ano voltámos a encontrar-nos por coincidência. Só que não éramos as mesmas pessoas. O amor tinha morrido há muito, mas mesmo assim num assombro súbito cometemos a estupidez de o tentar encarnar mais uma vez durante uma noite só.
Mais anos passaram. E o que se passa com o passar dos anos é que o movimento das folhas de calendário exorcizam os fantasmas. Mesmo os fantasmas de alguns amores mortos.

É por isso que o piores amores são os que se recusam a morrer de vez. Porque quando as coisas não morrem, tornam-se fantasmas. 
Pode ser que o Cinema King assombre todos os que o conheceram, uma vez ou outra.


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Carta de amor ao Metro de Lisboa


Por vezes não te compreendo. E eu sei que é normal um arrufo de vez em quando, mas para te ser sincero eu já estranho quando há uma semana em que não tenhas um dos teus bizarros amuos, com explicações que são impossíveis de compreender.
Como hoje que fui ter contigo de manhã, à hora do costume, e estavas atrasada. É uma queixa recorrente: o homem é deixado à espera enquanto ela se arranja. Mas a coisa descambou por completo quando disseste que afinal só podias à tarde e que 5ª feira tínhamos de desmarcar o encontro..

Se calhar são aquelas idiossincrasias que se acha piada na fase inicial de namoro e que com o tempo se tornam insuportáveis. Como por exemplo quando vou ao Campo Grande. E sempre que tento sair pela porta o caminho é-me completamente barrado pelo muro de gente que não se desvia. Já aprendi a aceitá-lo, é uma cena tua. Não é defeito, é feitio. Mas as coisas acumulam, porra. E um dia destes eu vou ter de empurrar uma velha. E não é a empurrar velhas que se constroem relações com futuro.
E por falar em velhas, há outra coisa de que te quero falar e que aponta a forma como és inconstante. Sempre que saio no Chiado não sei o que me espera. As escadas rolantes vão ou não estar a funcionar? É que isso muda como quem muda de cueca e as únicas opções possíveis são fio dental ou cueca da avó.

Mas nem tudo é mau. Dás-me o meu tempo para as minhas coisas. Sem ti não tinha tanto tempo de leitura a caminho do trabalho e de volta.
E não só nunca julgaste os meus fetiches, como alinhas no esquema para me fazer feliz. Sabendo tu das minhas tendências voyeuristas emparelhas-me com todo o tipo de gente que nunca teria oportunidade de conhecer em qualquer outra situação.

Ao fim e ao cabo, é certo que temos muitas discussões. Mas entre elas, eu esqueço-me sempre que elas existem. Por isso, não podendo enterrar o assunto, vamos concordar em mantê-lo debaixo de terra.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

nicoticídio


Atravessa a rua. Puxa de um cigarro.

Respirar nunca foi natural. Sempre senti a falta de algo para impermiabilizar os pulmões do bafo do mundo. Pode ser cancro. Mas o niilismo é ridículo e o vício em nicotina ainda é melhor visto.

 Antes o suicídio que todos podem assistir do que este suicídio ingenuamente assistido.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Prestar de contas


Perguntou-me como quem já sabe a resposta. Aliás, perguntou-me porque já sabia a resposta.

O Outono sempre foi para os fracos do coração. O castanho da contemplação sempre ficou bem de se usar nas mangas do casaco, à espera de surgir um novo amor por um ano que sonha em findar. Pede-se à chuva que lave os despejos da calçada e os arrume a um canto para mais tarde recordar.

Olha-se para trás a recordar o que ainda não se vê em frente. E enquanto os outros se banham em passado eu só vejo a linha do horizonte. Desisti de manter um registo de tudo o que já foi.

A resposta é não. Não quero factura.

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