terça-feira, 12 de junho de 2012

Monodiálogo


- ' Exactamente, o que é que tu queres de mim? ' . O repouso nocturno papagueia no seu ombro, recordando estrelas efémeras de negras abóbadas passadas, circunscritas num rosto raivoso pintado na mais bela das inúteis estátuas. Pergunta-lhe o vento assim, carregando as palavras como se suas. ' O tempo é só a percepção do desperdício dele mesmo ' pensa ele, e logo o esquece para não ter de se confrontar com o infinito tapete que se desenrola por baixo dos seus pés. É assim mesmo - uns dias matamo-nos para sobrevivermos a nós próprios; há que estrangular a verdade para estarmos vivos no dia seguinte de forma a podermos continuar a procurar pela verdade. Jazem no ar as pirâmides das palavras abortadas ao mar de aflição, como tantas vezes se faz na companhia de quem nos dói amar. É um comboio de amarguras, indo sabe-se lá para onde. Corta as paisagens e desaparece para sempre no horizonte. Há quem viva só a acenar a quem vai lá dentro.

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