terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Sobre algemas



Com ou sem a presença de intenção, todos somos prisioneiros. Prisioneiros de um outro, prisioneiros de um dogma, prisioneiros de um pensamento, prisioneiros de um corpo, mas acima de tudo prisioneiros de nós mesmos. Porque o maior inconveniente de prender alguém é o trabalho que dá e existe sempre a possibilidade de ele se libertar - mas se ensinarmos o prisioneiro, desde cedo, a emprisionar-se a ele próprio, não só podemos descartar-nos da responsabilidade das suas grilhetas como asseguramos que será prisioneiro para sempre. E se o fizermos a toda a gente e fizermos com que os prisioneiros se ensinem uns aos outros e que se castiguem uns aos outros quando alguém sai ligeiramente da linha, criámos uma sociedade não-livre, uma sociedade que pratica o culto da infelicidade.
Podemos passar uma vida inteira com os mesmos entraves, a bloquear-nos automaticamente daquilo que queremos ou precisamos. E uma pessoa pode passar uma vida inteira a impedir-se ou a abnegar-se de ser feliz porque "Não merece", convencida de que esta ideia foi sua e de que esta é de facto a decisão mais acertada. E é assim que pais ensinam a filhos que a vida não é para ser lutada ou resolvida, e que irmãos e amigos se apoiam nas "decisões difíceis" que terminam sempre num render de armas antes se quer de se munirem com os mosquetes. 
É o pior serviço que se pode fazer a alguém que se ama e no entanto todos o fazemos. É aceitar a mentira ignóbil de que não possuimos controlo algum sobre a nossa própria vida, prisioneiros de nós próprios sem conhecer ou desconfiar do nosso encarcerador.

A boa notícia é que as algemas, apesar de resistentes, são imaginárias. Só lá estarão enquanto nós lhes dermos autorização. E se somos prisioneiros de nós próprios, também seremos nós próprios (e só nós próprios) que nos poderemos libertar.

8 comentários:

Rui Pi disse...

A sociedade às vezes quer incutir tantos valores que os frutos da sociedade são pessoas com tanta coisa na cabeça que acham que a vida tem que ser feita com as algemas nos pulsos e com a ideia de que não se merece. Se calhar, a par disso, vem aquela inveja comum que leva ao desprezo daqueles que têm mais felicidade e então quase que parece ser-se infeliz para se parecer bem. Fica mal uma pessoa dizer que tem dinheiro para comprar o que quer, mas não fica mal uma pessoa dizer que tem que contar os tostões, por exemplo. Algemas mentais que prendem a felicidade e que pouca gente consegue retirar dos pulsos sem deixar marcas.

T disse...

Contribui o facto de a nossa cultura ter fortes influências judaico-cristãs em que o sofrimento é valorizado e é um factor de reconhecimento nas pessoas.

Alexandre disse...

muito bem, está tudo dito.

je suis...noir disse...

mas... e vendo o outro lado (ver o outro lado é já uma forma de me deixar prender!)

"precisar de dominar os outros é precisar dos outros" (e sei de quem é: fernando pessoa)

Alexandre disse...

não que isso seja uma coisa boa. os escravos não achavam muita piada, por exemplo.

T disse...

Fernando Pessoa disse isso no sentido negativo, por isso não estamos a ver "o outro lado" da coisa.
Não quer dizer que não perceba onde querias chegar, mas há melhores formas de amar alguém.

je suis...noir disse...

(sacana: humor noir, aprecio!)

vejo "eu" o outro lado da coisa, por razões pessoais talvez... é só um comentário, no entanto. mas concordo claro: há melhores formas de amar. provavelmente essa nem será uma forma de amar, apenas de precisar. e nem sempre se precisa de algo ou de alguém pelas melhores razões.

Anónimo disse...

Olá gostamos bastante do teu blog .
Prisioneiros claro que somos ...Mas temos que tentar sempre ser livres .
Um bom 2012 com tudo de bom.
Bjs com carinho e amor .
luisaeadriano.

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