sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Viagens (uns voltam, outros não)

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Os funerais matam-me. Hei-de morrer num funeral.

Não vinha a esta casa há quanto tempo? Cinco... não, sete anos? Ressoam ainda as palavras viscosas e automáticas do diácono. Quero lá saber de Jesus Cristo, enterrem-no antes a ele.
Percorro a casa a sós. O cheiro é o mesmo. É sempre o nariz que nos indica onde está o passado. Poucas coisas mudaram - alguns móveis migraram para se encostarem a outras paredes, mas são alterações insignificantes.

Subo as escadas (antes pareciam ser tantas) até ao escritório do meu avô. Os quadros são os mesmos, mas parecem mais tristes.
A mesa no centro retém algumas relíquias. Guardo-a para o fim.

Nas paredes as estantes com os isqueiros; o meu avô fazia colecção mesmo depois de deixar de fumar. Lembro-me de quase todos, uma vez trouxe-me um caixote inteiro para eu escolher aquele de que eu mais gostava. Já não sei dele, devo tê-lo perdido para sempre.
As pautas de cavaquinho e de guitarra. Onde guardou ele os instrumentos todos? Não os vejo.

Na mesa central, livros e a lupa. Já via muito mal, devia ficar aqui a esforçar-se imenso. Tem um livro de poesia aberto. Notas e marcas a caneta em todo o lado.
Fiquei um pouco a ler os poemas que foram, provavelmente, a última coisa que ele leu na sua vida.
E isso chegou-me.

1 comentários:

MIA disse...

"Fiquei um pouco a ler os poemas que foram, provavelmente, a última coisa que ele leu na sua vida.
E isso chegou-me."

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