cada palavra que alguma vez disseste
é um condutor solitário.
mãos no volante e linhas verticais no horizonte,
pedal a fundo, luzes rubi,
cantando desde criança como se fosse oração
"queria estar noutro lugar que não aqui".
desde sempre que a água me chegava aos pés e parecia que afogava.
não havia salpico que não merecesse pânico.
uma constante sensação de um terror iminente, com noites sem dormida num quarto sem guarida.
é que alguns de nós saem do ventre e só conhecem o esventrar. cotoveladas de amor pelo caminho, cantigas de carinho no focinho e um punhado de sonhos para constelar.
e não é minha natureza. mas juro por tudo.
queria amar-vos a todos.
amar-vos como se ama e como alguns amam sem pensar.
amar como se respira, como se fosse intuição e sem que eu tenha de me ensinar.
amar como se fosse fácil.
como se fosse. inevitável.
mas o meu coração foi afagado em cimento
por homens com mais calos que eu e que usam máquinas em constante movimento.
e os dedos que uso são os dedos que escrevo,
mas dedos não chegam para escavar o pavimento
quando os joelhos esfolam no chão e todos vão olhar e ver só o não cabimento.
queria estar noutro lugar que não aqui.
não ter no sentimento esta lixa nem este rancor.
talvez aí pudesse estar ser melhor.