Tira as pedras de dentro dos ouvidos e ouve-me gritar.
"Não, mãe. Eu não quero mais ervilhas. E não me mintas: lá fora há um dragão para eu montar".
A primeira vez que me lembro de lembrar, é à mesa. Dias em que em que a tristeza escorria lentamente em gotas nas janelas enquanto raspava o prato, plástico como a casa em que morámos. E se a tristeza não chovia cá dentro não é por causa da longa mentira de que as crianças só sabem ser felizes. Era porque ainda não tinha altura que chegasse para lhe abrir janela.
Mas é como toda a gente diz. Os miúdos crescem rápido.
Aos 8 anos. Foi aí a primeira vez que me lembro de querer morrer. E a partir daí, aprendi a não o dizer. Porque o trabalho de um adulto é proteger a criança do mundo. O trabalho de uma criança, é proteger os pais dela própria. E do que ela faz um adulto sentir.
Está tudo bem. Esteve sempre tudo bem. São só coisas da minha cabeça.
Porque o meu coração é um T4, com duas aurículas e dois ventrículos onde qualquer um pode morar sem se fazer ouvir. E o meu amor é um ventríloquo que só grita pela boca dos outros. À espera de sussurros de ecos que queiram morar entre paredes, saltitando até ao tecto para um dia rebentar.
Entra.
Há espaço que chegue.
E lá fora há um dragão para montar.
Entra.
Há espaço que chegue.
E lá fora há um dragão para montar.