domingo, 19 de janeiro de 2014

Louvor


A parte difícil não foi dizer adeus. Foi dizer tudo o que não fosse adeus, naquele momento em que todas as coisas se tornam claras. E ao fazê-lo, perdem o seu sentido.
E eu que sempre fui uma flausina dos tempos vagos, um romano erguendo labaredas fúnebres aos deuses do desespero. E mais outras metáforas presunçosas que o tempo me permitiria ter se não fosse curto o meu talento.
E tu, uma paz de alma. Sempre descansada. A Santa Imaculada da Paciência. Sempre calma, sempre composta. Foda-se, não imaginas como isso sempre me irritou, mãe. Tu e a merda da calma. Dizias que a irritação era desnecessária, que tirava anos de vida. De que te serviu isso afinal? Morta e enterrada na porcaria do chão. De que te serviu a calma? Morta aos 54 anos, todos eles à espera de ser nascida. Nunca vi uma emoção tua maior que o zumbido de uma melga anémica. E eu a fazer merda desde que te chegara aos joelhos. Para ver se ressuscitavas, se arrancava de ti o mínimo murmúrio de ira - de qualquer tipo de paixão - que provasse não estarmos a ser criados por um robô. Afinal, como toda a gente sempre disse, eu saí ao pai não é? E foi por tua causa que ele nos deixou, mãe. Nem consigo imaginar como terá sido para ele tentar reanimar o coração de um cadáver, deitar-se todas as noites ao lado de uma mulher frígida do corpo até à alma.
Ele deixou-nos. E tu deixaste-nos quando? Nem o luto foi algo que me deixaste. Foi preciso chegar este momento para saber que da minha mãe, ou noção de uma, já eu tinha lamentado a perda. Há muito tempo.
Vai para a merda, mãe. 
Descansa em paz.

Sesguidores