segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Observações subterrâneas


Metro cheio. Hoje há jogo de bola. Hoje há vidas dobradas, corações partidos, muito cansaço e alguma felicidade. Mas isso já há todos os dias - hoje há jogo de bola também.
A sufocante multidão traz uma estranha intimidade, enquanto dois jovens amantes namoram encostados a um canto daquela forma que só jovens amantes namoram, tentando ocupar o mesmo espaço. Entre lábios, línguas os toques pelas suas roupas, aproveitam cada e qualquer momento para se amarem e para cederem ao magnetismo dos corpos que não dominariam mesmo que o desejassem.

Do lado oposto está ela. E embora nunca a tenha conhecido, conheço-a bem. A mesma idade mas nos olhos veste a solidão. Não é que seja feia, longe disso - mas é daquelas raparigas que, por ser quem é, não o sabe. Esconde o corpo em roupa larga e pouco vistosa pois não suporta a ideia de chamar a atenção. E por momentos considero desviar o olhar e esquecer-me dela em sinal de respeito aos seus desejos. Mas é que ela observa também o casal e na verdade não tem outro remédio. Bem tenta focar-se nos seus próprios pés, mas o vazio dela puxa-a para o que há para ver - nisso somos iguais.
Prime o lábio superior contra o inferior. É o tique de quem para não jorrar o que tem dentro se beija a si próprio para tapar a saída. E o calor que sente em si é o mesmo que lhe encolhe o coração, como um papel de poemas que se aproxima do fogo.

E há tanto para ela viver e tanto mais que ela quer viver. Mas não sabe. E provavelmente nunca o saberá.

3 comentários:

Erre disse...

Muito bom!
No metro encontram-se sempre cenas fascinantes. Todo um aglomerado de histórias pessoais ali reunidas à nossa disposição, naquela abafada lata de sardinhas, sem terem para onde fugir. =)

Anónimo disse...

é bom saber que não sou a única "mirone" (passo a expressão) de locais publicos.
de qualquer forma, gostei mesmo muito do texto, especialmente " E o calor que sente em si é o mesmo que lhe encolhe o coração, como um papel de poemas que se aproxima do fogo." :)

Teresa Margarida Costa disse...

Onde há muita gente há inevitavelmente muitas histórias e se as pessoas nos são desconhecidas ainda mais aguçam o nosso pensamento e a nossa capacidade para as entender, para lhes inventar histórias. Não ando de transportes públicos e raramente me encontro no meio de desconhecidos, mas tenho saudades desse fervilhar de ideias, de pensamentos que nós colocamos nos olhos e nas posturas dos outros ;)

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