terça-feira, 12 de junho de 2012

O voyeur parasita



Com tempo para matar, vários cafés à escolha, vou para aqueles mais pobres ou atarefados; a perversão assim mo comanda. Talvez por nunca me ter sentido como um de vós, o meu maior entretenimento é ver as personagens do teatro da vida e os pequenos dramas diários que, embora diversos e banais, perdem-se numa paisagem de sentido mais vasto como borrões-flor de um Van Gogh. As interacções frias entre o casal dono do café, os sábios zé-ninguéns que à volta do bagaço resolvem em argumentação apenas os problemas do Estado, o solitário estranho que parece não ter para onde ir (não sou só eu), ou a discussão aparentemente final entre dois jovens namorados.
É que eu não tenho perfil para ter vida própria. E muitas vezes parece-me ser coisa que nem interesse tem. Por isso é que quando era miúdo lia da forma que lia - eu nunca quis realmente viver, o que eu queria era viver de forma vicariante. Viver através da vida dos outros sempre teve mais apelo. E agora, quando vou à rua é para ver o espectáculo sem ter de fazer parte dele. Por isso é que as estórias que tenho para contar nunca são minhas. Roubei-as de vocês.

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