terça-feira, 19 de junho de 2012

Não assistido


Aceitei não fazer nada por saber tudo o que já te tinham feito. Quase que me imploraste até eu conceder o teu pedido. Horas e dias de segredo para não mais te magoar porque a tua mágoa já era interminável. Dizias não ter cura, quando na verdade todos nós é que estávamos doentes e só tu vias o mundo real. A tua visão estendia-se até ao infinito - para trás e para frente - e daí a tua vontade de parar. E eu sabia que era inevitável. Ninguém poderia impedir que, mais cedo ou mais tarde, isso acontecesse. Ninguém te conhecia melhor que eu.
Não aguentavas mais. Querias-me para testemunha silenciosa. Porque se ninguém te visse a morrer era como se tivesses só desaparecido e tu querias era morrer. Querias partilhar o último e mais feliz momento da tua vida com alguém próximo. E eu, o teu melhor amigo, deixei-te morrer. Estive contigo. Fiz-te companhia. Vi como punias o teu próprio corpo, como já to tinham feito de muitas formas, numa teimosa zanga para ver qual desistia primeiro. E foste tu quem ganhou porque eu nada fiz. Fiquei em silêncio até mesmo quando o teu corpo embranquecia e a vida se esvaia das tuas veias. A última coisa que tu fizeste neste mundo foi agradecer-me. E eu não fechei os olhos, nem se quer desviei o olhar. Vi até ao fim, como pediste. Vi como o teu peito por uma última vez lutou para se erguer até ao céu e falhou. Deixei-te morrer como querias e nunca ninguém o soube.
Existe somente em mim o último bocado de ti neste mundo. Devolver-to-ei quando chegar a minha vez.

0 comentários:

Sesguidores