quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ranhosos e mal-educados



Ao contrário do que muitos dizem, esta geração não está "perdida". Pelo menos não é correcta a implicação que está por trás do cliché - de que a geração está perdida porque se perdeu, como se tivesse virado na direcção errada a caminho do que é o claro e recto trilho do futuro. A geração foi colocada por outrém num labirinto caótico causado pelos tropeções das gerações anteriores que derrubaram as estruturas do nosso caminho. Viciaram o jogo antes de cá chegarmos e ainda por cima culpam-nos a nós da inescapabilidade de uma situação da qual não tivemos controlo.

Se soo zangado, é porque o estou e todos devíamos estar. Porque após o 25 de Abril, surgiram muitas oportunidades que não se agarraram por incompetência, distracção ou simples ingenuidade. Não se educaram os cidadãos, não se alertaram para as consequências das nossas práticas, não se cumpriu a promessa de um estado laico, não integrámos no nosso consciente as implicações do passado e ninguém se preocupou sobre de que forma devíamos existir com o outro e connosco próprios. Não ponderámos em conjunto na altura (e penso que nunca o chegámos realmente a fazer) sobre o que significa ser um português livre e que direitos e sobretudo deveres isso comporta. E após esta negligência cultural, intelectual, humana e espiritual, a culpa cai sobre a nova geração. E ainda é dito aos membros da nova geração que são preguiçosos, imorais e irresponsáveis - comportamentos que, quando constatados, foram aprendidos se não até mesmo incentivados pela geração anterior; Como os jovens alunos que cabulam e fazem batota nos exames com aprovação dos pais porque o que interessa não é adquirir conhecimento e ser uma pessoa justa, honesta e real - o que interessa é passar a perna ao sistema e tirar boa nota e vir um dia a ser um profissional incompetente mas que ganhe o seu. Ou como os jovens que não têm interesse na vida política ou em tentar melhorar o país onde vivem porque "não vale a pena" e "temos é de nos concentrar a fazer a nossa vida", na ilusão solipsista de que é possível ao ser humano existir sem coexistir.
Não se deixem enganar, o interesse em salvar este país é pouco. A maioria das pessoas não acredita que tal seja possível. E por isso é que a minha geração ouve tanta vez "Vai trabalhar lá para fora, que lá fora é que se está bem, isto aqui não vai dar em nada". Chega-se à desagradável conclusão que quem nos arruinou já nem tem interesse em tirar-nos da ruína.

E é este o património que herdámos e que vamos deixar para os que nos seguem. Porque os valores que interessam para a nossa sobrevivência e crescimento não interessam a ninguém se não um punhado de esperançosos que são, na melhor das hipóteses, apelidados de ingénuos e de sonhadores.

6 comentários:

Bolacha disse...

Os jovens são sempre o bode expiatório dos problemas da sociedade. Já estive mais chateada; agora, sinceramente, só me apetece desistir de um país que já desistiu de mim e é pena porque gosto muito dele.

wapy disse...

Há um discurso muito odioso hoje em dia em relação aos jovens, vindo tanto da parte das gerações anteriores como da própria camada nova.

Vejo mais do que nunca uma tentativa (frustrada, note-se) de demonizar e ridicularizar esta geração e culpá-la de coisas que, com toda a franqueza, não poderia ter provocado por simplesmente não ter estado lá. Se é que me faço entender.

Mas lá temos nós que apanhar com isso, com o tal discurso do ódio que já está mais que vulgarizado e toca a fazer um esforço para mudar a situação.

T disse...

Atenção que não estou a deixar de criticar os mais novos nem acho que as responsabilidades/problemas não sejam também destes. Mas os comportamentos dos novos vêm em consequência dos comportamentos dos mais velhos.
E infelizmente para mim o gosto por este país diminui a cada dia que vivo nele. Não acho é que seja uma causa perdida... desde que alguém faça algo por ele.

Alexandre disse...

há que lutar contra isto. um dia de cada vez.

Anónimo disse...

E como tu, já havia pessoas na altura que tinham consciência do mesmo. José Mario Branco é o melhor exemplo que me vem à memória.
Basta ouvir-se a 'FMI', que faz um retracto fiel ao pós 25 de Abril.

"Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, ah? (...)" .

e foda-se que tens aqui um belo texto !

T disse...

Obrigado ao anónimo. E o FMI é uma das músicas que perdi a conta ao número de vezes que já a ouvi. E sempre houve gente com consciência disso, mas muito poucas com vontade de mudar.

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