sábado, 17 de setembro de 2011

Jogo de tronos



Gostaria de poder, honestamente, dizer que sou uma pessoa que nunca teve pensamentos profundos enquanto sentado na sanita. Gostaria também de poder, honestamente, dizer que estou ainda mais longe de ser uma pessoa que quase só tem pensamentos profundos enquanto sentado numa sanita. Mas não posso.
As casas-de-banho públicas, em concreto, dão-me para isso. Talvez por não ter muito mais que fazer se não observar a escrita que outros deixaram na porta como complemento à tarefa em que me concentro no momento. Principalmente quando essa escrita foi deixada por um ou mais neonazis que, apesar de não saber(em) desenhar a suástica nazi correctamente (como, por exemplo, no sentido contrário ao suposto) insiste(m) em empregá-la como bordão decorativo para as suas inspirações defecativas - "White Power", "Morte aos pretos e aos paneleiros, mais nada", "Fora com os pretos, Portugal é nosso", e outros do género. E por mim tudo bem, não há problema. Antes escrever numa casa-de-banho do que apregoar lá fora. O problema dos idiotas é quando não são cobardes e vão cuspir a idiotice nas ruas. A merda é sempre preferível ficar numa casa-de-banho, seja a merda real ou figurativa.
Dá-me para a súbita realização de que, na precisa sanita onde eu cagava, tinha cagado pelo menos um neonazi. Estatísticamente, a probabilidade era a de que naquela sanita já tivessem cagado vários neonazi. E vários pretos, paneleiros, imigrantes legais e ilegais, pedófilos, polícias, hippies, padres, prostitutos, artistas, políticos, comunistas... e eu. Todo um reino de possibilidades numa só casa-de-banho. Todos indivíduos diferentes, comedida ou radicalmente, e todos unidos pela merda. Porque toda a gente caga e porque a merda é a única coisa que não é diferente - é independente da cultura, das práticas, dos ideais ou dos valores de cada um. Merda é merda e a merda cheira sempre a merda, seja a merda de quem for. A merda é a grande unificadora das massas.
Um dia proponho à ONU que todos os representantes de todos os países falem uns com os outros mas sentados no trono. Talvez aí vissemos que pelo menos na merda somos todos o mesmo e pudéssemos acalmar algumas divergências. Não seria bonito, mas o caminho para a paz mundial nunca o será, e até hoje já ouvi falar de muita gente a morrer com bombas e tiros mas nunca ouvi falar de alguém que morresse de mau cheiro.

4 comentários:

André C. disse...

Muito bem dito.
No seguimento do texto não posso deixar de fazer referência a um provérbio que eu acho um mimo, e que o meu pai me costumava dizer:
"Neste lugar solitário, onde toda a vaidade se apaga, todo o cobarde faz força e todo o valente se caga."
Tem uma mensagem inerente poderosíssima, mas que infelizmente costuma ser ignorada nas risadas.

T disse...

Se do meu lado foi bem dito, do teu lado foi lindamente respondido. Também essa vi ainda mais uma vez hoje numa casa-de-banho pública, não me perdoo ter-me esquecido dela para este texto. Realmente é um bom resumo do que disse se conseguirmos ignorar a piada da frase. Não me tinha ainda ocorrido encará-la assim.

pedro b disse...

é curioso, ocorreu-me exactamente a mesma frase que o caríssimo andré c. usou. qual não foi o meu espanto ao abrir a caixa de comentários e perceber que alguém teve ideia igual. posto isto, resta-me dizer mais do mesmo: muito bem dito.

Pedro Simão disse...

Concordo. Mas se pensares bem, eles já têm conversas de merda...

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