Quando era miúdo tinha um cão. Um lindo Setter Irlandês com um poço inesgotável de amor incondicional para dar e uma simpatia que desafiava o racional. Ao longo dos anos reparei que quanto mais tempo o cão passava sem me ver, mais entusiasmado e alegre ficava com o meu retorno. Pulava e corria de contentamento só de poder ter a minha presença. Isto fez com que, a uma dada altura, eu gradualmente afastasse por cada vez mais tempo o contacto com o cão, que residia numa área do quintal para ele designada. Negava-lhe carinho pelo prazer sádico do seu amor todo jorrar quando eu decidisse vê-lo. Eu é que tinha o poder e fazia uso dele para me sentir amado.
Foi mais ou menos isso também que fiz com os meus primeiros amores. Retinha, por vezes, carinho. Tornara-me imprevisível e impossível de ler. Desespero era amor, e amor era amor só se fosse eu a ficar por cima. Repetira a lição que me ensinaram sem querer com os anos - de que o amor não é condicional e que numa relação não há iguais. E que a única forma de bem amar é se fores tu o mais amado - manipulando as emoções do outro se necessário.
Gosto de pensar que já não funciono assim e que terei corrigido a minha forma de ver as coisas, se não o meu comportamento. Hoje em dia ajudo a tomar conta dos cães da minha namorada, que já se tornou numa companheira de vida. Vi-os nascer, crescer e morrer. Nos entretantos tento ser um bom companheiro, como nem sempre fui. Tento igualar o carinho e a dedicação que me dão, sem jogos de poder desnecessários.
E há amores incondicionais que sei jamais ser capaz de retribuir. Mas tento.
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