"Não incomodes o bebé, que o acordas".
Quando somos pequenos e temos algum tipo de contacto com um novo membro da raça humana, os adultos à volta entram em pânico. É normal que uma criança, com toda a curiosidade em saber de onde as coisas vêm, queira apenas observar e experimentar com um bebé; e é normal que um bebé, que ainda não aprendeu as subtilezas de disfarçar os desejos e aspirações humanas, queira apenas sentir prazer ou dormir na ausência de prazer.
Uma criança e um bebé na mesma casa são uma constante fonte de stress nos adultos. E quando a criança somos nós, da forma que os adultos falam, incomodar um bebé que dorme é um pecado capital punível com algo pior que a pior das mortes. Levar-nos-iam a crer que um bebé inconvenientemente desperto comporta o risco dele explodir e levar metade da casa, da louça e da mobília com ele.
Não muito tempo depois começamos a perceber que a preocupação com o sono do bebé não é a saúde do bebé. Quer dizer, isso é a razão que toda a gente dá, mas não é mesmo essa a razão. A razão é que (e toda a gente que está a ler isto já sabe o que vou dizer) se o bebé acorda mal disposto dá trabalho e é chato. Os adultos ficam mal-dispostos não por preocupação com a saúde do bebé mas por preocupação com a sua própria saúde mental.
O bebé cresce e torna-se criança que quer chatear outros bebés. Os adultos, no entanto, ficam mais ou menos na mesma mas só que sem bode expiatório. A criança acorda a meio da noite com um pesadelo e interrompe o coito ou, mais importante ainda, o sono dos pais. Como o pesadelo de outra pessoa é algo demasiado insubstancial para nos zangarmos com ele, a irritação dos pais é com a própria criança - Afinal de contas, a cabeça é dela logo a culpada é ela.
O mesmo quando a criança está apenas triste, porque é difícil aceitar que uma criança possa estar triste. Porque é difícil de compreender que a tristeza é uma coisa normal e até saudável, e que uma criança também se possa sentir triste. Porque a tristeza de uma criança lembra-nos as nossas tristezas e ninguém se quer lembrar das suas tristezas. Dizem a medo "Que se passa contigo, porque choras?". Os mais estúpidos e os mais assustados dizem "Vê lá se queres que eu te dê uma razão para chorar", porque uma dor física é mais fácil de sustentar que uma dor emocional e assim como assim vamos tentar disfarçar a dor de dentro com uma dor de fora.
Claro que em adultos fazemos isto uns com os outros. Os problemas dos outros só nos interessam quando não ameaçam fazer surgir os nossos próprios problemas e quando nos distraem deles. E agora que já disse isto vou fumar um cigarro. Até logo.
1 comentários:
bem.
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