Quando a minha irmã engravidou fiquei a saber de que se fala ao pé de mulheres grávidas. Nunca fui hábil nas típicas conversas sociais, mas foi possível aprender uma ou duas coisas. Para minha grande surpresa, um dos temas principais é tudo aquilo que pode correr mal com a gravidez, parto ou mesmo com o bebé. Não via isto como sendo apenas contra-intuitivo; parecia-me antes ser o tipo de assunto que se deveria evitar ao máximo na presença de alguém que já poderá ter os seus próprios medos e inseguranças em relação a um processo tão delicado - não me parecia de todo necessário ter outras pessoas a ameaçar premir um gatilho emocional. Curiosamente, a principal fonte de negativismo ameaçador são as velhas matriarcas que visitam a inexperiente mãe e a presenteiam com pequenas meias de lã, roupas de bebé usadas, e com circunstanciais histórias de terror sobre uma conhecida ou uma amiga ou uma conhecida de uma amiga que, quando foi a sua vez, quase morreu por algum precalço biológico ou desastre médico. Quando os contos não são sobre o perigo de saúde da mãe costumam ser da criança que teve alguma má formação ou outro tipo de azar, ou sobre o sofrimento e alterações físicas em geral que estão incluídas ao longo do processo.
Todo este comportamento pareceu-me bizarro e cruel, mas a parte mais estranha é que as outras pessoas parecem achá-lo "perfeitamente normal". Desde essa altura que testemunhei o mesmo a acontecer com outras grávidas que não a minha irmã sem que alguém hesitasse ou arqueasse as sobrancelhas. Já da minha parte, lembro-me de ter flashbacks quando, pouco após dar à luz, ajudei a minha irmã durante um dia. Não foi nada de traumatisante até ela me chamar de dentro da casa-de-banho para a ajudar a colocar uma cinta à volta da barriga que, segundo as palavras dela, se usa para "voltar tudo ao sítio". Ela estava despida e de pé na banheira e descobrira que não tinha força suficiente para apertar a cinta como era suposto. Eu estava relutante a ajudá-la nessa tarefa em específico pois todo o cenário era-me reminiscente a tortura medieval, mas após breves minutos conseguiu-me convencer. Arrependi-me depois de alguns instantes a sufocar-lhe o abdómen flácido quando de entre as suas pernas começou a pingar uma substância espessa, feia e grumosa, com cor de sangue só que mais escuro. Senti náuseas. É perfeitamente normal, não te preocupes. Vieram-me imeditamente à mente as narrativas gráficas que envolviam placentas e mulheres a esvairem-se em sangue na maca sem que os médicos pudessem fazer nada. Mano, estás bem? - Sim, sim... Já está apertado que chegue? - Acho que sim, obrigado. - Não tens de quê. E fugi o mais rapidamente possível da casa-de-banho, fechando a porta e o pesadelo atrás de mim.
Desde aí que comecei a perceber que não fazemos isto apenas com a gravidez. No geral, temos mais facilidade em falar de coisas más. Afinal de contas, uma história sobre uma desgraça fará com que outra das pessoas presentes se lembre de uma desgraça ainda pior e podem-se passar horas de conversa nas quais as pessoas envolvidas tentam suplantar-se umas à outras.
Todo este comportamento pareceu-me bizarro e cruel, mas a parte mais estranha é que as outras pessoas parecem achá-lo "perfeitamente normal". Desde essa altura que testemunhei o mesmo a acontecer com outras grávidas que não a minha irmã sem que alguém hesitasse ou arqueasse as sobrancelhas. Já da minha parte, lembro-me de ter flashbacks quando, pouco após dar à luz, ajudei a minha irmã durante um dia. Não foi nada de traumatisante até ela me chamar de dentro da casa-de-banho para a ajudar a colocar uma cinta à volta da barriga que, segundo as palavras dela, se usa para "voltar tudo ao sítio". Ela estava despida e de pé na banheira e descobrira que não tinha força suficiente para apertar a cinta como era suposto. Eu estava relutante a ajudá-la nessa tarefa em específico pois todo o cenário era-me reminiscente a tortura medieval, mas após breves minutos conseguiu-me convencer. Arrependi-me depois de alguns instantes a sufocar-lhe o abdómen flácido quando de entre as suas pernas começou a pingar uma substância espessa, feia e grumosa, com cor de sangue só que mais escuro. Senti náuseas. É perfeitamente normal, não te preocupes. Vieram-me imeditamente à mente as narrativas gráficas que envolviam placentas e mulheres a esvairem-se em sangue na maca sem que os médicos pudessem fazer nada. Mano, estás bem? - Sim, sim... Já está apertado que chegue? - Acho que sim, obrigado. - Não tens de quê. E fugi o mais rapidamente possível da casa-de-banho, fechando a porta e o pesadelo atrás de mim.
Desde aí que comecei a perceber que não fazemos isto apenas com a gravidez. No geral, temos mais facilidade em falar de coisas más. Afinal de contas, uma história sobre uma desgraça fará com que outra das pessoas presentes se lembre de uma desgraça ainda pior e podem-se passar horas de conversa nas quais as pessoas envolvidas tentam suplantar-se umas à outras.
Durante muito tempo adicionei esta característica a uma longa colecção de defeitos que vejo na população portuguesa (não se trata só de repulsa pela pátria, que por sua vez é uma característica muito típica dos portugueses; é só que é mais fácil generalizar atributos negativos a toda a gente à minha volta do que manter uma pontuação detalhada das pessoas em específico que conheço). Mas o que era suposto fazermos? Falarmos uns com os outros de coisas boas que nos acontecem? Não é uma boa forma de olear uma conversa, incita antes a um não proferido "E então? Para que quero eu saber isso? É só para me esfregares na cara que eu estou na merda e tu não, é isso é?". É de mau tom e de má educação partilharmos coisas positivas com os outros e é difícil imaginar um mundo em que tal não fosse verdade. Era necessário que não fossemos todos, de uma forma ou de outra, frustrados da vida.
Penso que talvez seja por isso que gostamos de partilhar pequenas histórias trágicas. A tristeza e a mágoa ressoam mais facilmente que a felicidade e o contentamento, e a uma dada miséria qualquer um que a oiça lhe pode acrescenter um ponto. As coisas más são melhor recebidas no geral e por isso são um bom tema de conversa. O mesmo acontece até aqui na blogosfera em que parece que os bloggers claramente neuróticos, queixosos, soturnos e egocêntricos na sua própria miséria são merecedores de uma quantia razoável de atenção.
Só dou graças é por eu não ser um deles.
Penso que talvez seja por isso que gostamos de partilhar pequenas histórias trágicas. A tristeza e a mágoa ressoam mais facilmente que a felicidade e o contentamento, e a uma dada miséria qualquer um que a oiça lhe pode acrescenter um ponto. As coisas más são melhor recebidas no geral e por isso são um bom tema de conversa. O mesmo acontece até aqui na blogosfera em que parece que os bloggers claramente neuróticos, queixosos, soturnos e egocêntricos na sua própria miséria são merecedores de uma quantia razoável de atenção.
Só dou graças é por eu não ser um deles.
6 comentários:
Primeiro: os homens são uns maricas... tanta tontura com o sofrimento das mulheres...
Segundo: conversa maior do que queixas, só se for sobre cocó...
Primeiro: Não vejo o que há de mariquice em ter algum tipo de empatia com sofrimento humano. E dúvido que só aos homens lhes faça impressão esse tipo de coisas, aliás sei por experiência própria que não é só aos homens que isso acontece.
Segundo: Quê?
Terceiro: Tenho vontade de te dar um prémio. Numa só frase conseguiste soar homofóbica, misandrista e chauvinista =P
realmente é admirável a facilidade com que as desgraças fazem as pessoas se abraçarem, visitarem (sobretudo na doença) e compadecerem-se umas das outras.
Enquanto que com as alegrias só acontece se for uma alegria mesmo muuuuito grande e quem te felicita efusivamente são umas meia dúzia de pessoas, que decidem pôr de lado a inveja que têm de ti e preferem ficar felizes.
Nunca ninguém me tinha feito um retrato tão fiel... ah, como sou adorável!
Tive o cuidado de dizer que era como tinhas SOADO. Não disse que eras de facto isso tudo.
talvez fosse melhor mudarmos isso (nós, portugueses).
talvez deixássemos de ser tão depressivos.
se calhar, até conseguíamos ser felizes.
acho que o nosso maior problema é mesmo esse. queixamo-nos de tudo, dizemos mal de tudo. muitas vezes sem fundamento ou razão.
enfim, a chorar não há melhor que nós.
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