sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O princípio do fim


Hoje vi o princípio do fim.

Quando comecei a fumar a sério já tinha 18 anos. Idade para ter juízo, diziam-me; mas fumar na altura apresentou-se como uma espécie de salvação. Era uma forma de me obrigar a sair do meu quarto e da minha casa, nem que fosse só para comprar tabaco ou fumar um cigarro à pressa. Era também uma forma de me obrigar a ter de falar com alguém mesmo que fosse só para dizer "Era um JPS preto, se faz favor".
Ao mesmo tempo, dava-me algo que fazer. Tinha algo com que ocupar as mãos enquanto falava com colegas ou raparigas e isso mais a pequena pedrada de nicotina ajudavam-me a mascarar o meu nervosismo e os meus maneirismos que eu sentia fazerem as outras pessoas acharem-me bizarro. Além do mais, todas as pessoas cool que eu algum dia quis ser fumavam ou tinham fumado numa altura ou noutra, de músicos a poetas e escritores e até mesmo personagens de cinema. Tinha como esperança que o bafo do cigarro me transferisse propriedades que nunca tinham sido minhas: a auto-confiança de um par de pulmões moribundos por escolha e o descanso de mandar tudo à merda "A saúde que se lixe, não quero chegar a velho nesta porcaria de mundo". Talvez por isso fosse, durante a minha infância e início de adolescência, a marca dos rapazes - e principalmente das raparigas - que me assustavam e fascinavam ao mesmo tempo. Deixei de ver uma distinção entre medo e desejo, talvez porque sejam a mesma coisa.
Senti, por isso, alguma surpresa quando vi hoje um rapaz por volta dos seus 18 anos a comer uma laranja na rua. Era relativamente atraente e tinha o ar cool de quem está dentro da moda da sua geração mas que se está a cagar para o que é moda ou a sua geração. Encostado ao carro, telemóvel sufocado entre ombro e orelha, descascando a pele feia da laranja com as mãos e comendo-a gomo a gomo. O que foi estranho para mim é que o cenário teria toda a coerência se a laranja fosse substituída por um cigarro. Mas o tolo esbelto e saudável parecia não ter tal vontade. Afinal de contas, quem é que ele pensa que é?

Já se passaram alguns anos e entretanto fumar tornou-se um daqueles vícios que tenho dificuldade em controlar. É uma benção para todas as ocasiões. Quando ouço uma boa música, acendo um cigarro. Quando bebo um bom licor, acendo um cigarro. Quando estou na merda acendo um cigarro. Quando estou nervoso acendo um cigarro. E quando estou a relaxar, que se lixe, acendo outro. Já não se trata do circunstancial abandono niilista ou do aspecto suavizado que me pode dar, tornou-se algo que faz tão parte de mim como qualquer outra das minhas características.
Talvez comer laranjas na rua seja a marca da gente da cena do futuro. É mais saudável, a casca que cai para o chão é biodegradável, e não incomoda quem está à volta à excepção de uma ou outra ejaculação cítrica causada por demasiada pressão no fruto. Mas eu, como sempre apreciei os clássicos, vou permanecer fiel aos cigarros por agora. Além do mais, que quero eu saber das modas ou das novas gerações?

4 comentários:

Ana disse...

gosto tanto do teu dramatismo. não estou a gozar, até porque eu também tenho uma veia para o drama sei que seria capaz de achar que era o fim do mundo se visse alguém comer uma laranja (por tudo o que isso me faria pensar).

T disse...

Ainda bem que alguém consegue lidar com o meu dramatismo, é que eu às vezes não.

Anónimo disse...

Provavelmente só lhe apeteceu uma laranja. Há quem coma laranjas só porque sim. Como há quem fume só porque sim, porque apetece. Se isso é "da cena" ou não...compete a quem se preocupa com "a cena", decidir. Eles vão continuar a comer laranjas ou a fumar.

T disse...

Das duas uma. Ou alguém não percebe ironia na escrita ou então alguém não consegue escrever ironia.

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