quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Pautas Velhas

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Ultimamente tenho pensado bastante sobre as minhas características e de onde elas vieram. Nomeadamente a relação que poderá existir entre essas características e a minha própria família e interacção entre os seus membros. Estes pensamentos são incitados pelo facto de notar cada vez mais em mim os traços faciais da minha família paterna. Não ajuda também ter visto ontem vídeos de quando eu era pequeno - uma criatura irritante, impulsiva, aberrantemente ignorante e com um aparente impedimento da fala se não do cérebro - na presença de uma namorada que não me fazia esquecer, de 20 em 20 segundos, como eu era "querido" e "fofinho". Ênfase no tempo verbal da palavra era.
Voltando a essas características, há certas coisas que aparentemente são incontornáveis e fáceis de constatar para além dos tais traços físicos inevitavelmente observados por amigos cruéis e por uns tantos familiares do paleolítico, para todos os efeitos nossos desconhecidos, que felizmente só encontramos a cada raro alinhamento dos astros, mais frequentemente manifestados através de casamentos ou funerais.
Por exemplo, no meu caso, a música.

Tanto quanto percebo, venho de uma considerável linhagem de músicos frustrados. O meu falecido avô paterno deixou para trás neste plano uma enorme variedade de instrumentos musicais nos quais ele era relativamente propenso. Mas que seja do meu conhecimento nunca investiu neste passatempo como mais do que um passatempo por questões financeiras.
Já o meu pai (tal como, suspeito, eu próprio) poderia inserir-se num Manual de Estereótipos Humanos. Com uma "formação musical a sério" nunca fez carreira como músico apesar do seu talento no piano e no violino - isto é, se não contarmos (e não há razão para o fazermos) com a sua banda de juventude que editou um disco obscuro e sem sucesso. Como se não bastasse, há pelo menos 20 anos que ouço o meu pai, sentado ao piano, a tentar qual Sisifo terminar a sua Grande Composição de forma infrutífera.

Esta história terá deixado alguma marca em mim, pois parece ser uma propensão hereditária. Conto no meu arsenal musical: 1 kazoo, 1 harmónica, 1 melódica, 1 flauta, 1 pandeireta, 2 campainhas de bicicleta, 1 ovo (equivalente a uma maraca), 1 microfone, 1 amplificador, uns quantos cabos, 1 pedaleira loop station, e finalmente e mais importante: 3 guitarras (1 acústica, 1 electro-acústica e 1 eléctrica) e 1 cavaquinho que para todos os propósitos transformei num ukulele.
A supracitada colecção de quinquilharia cacofónica seria no entanto mais impressionante se eu fosse particularmente habilidoso no que toca a performance musical. Não apenas isso como não tenho, de momento, intenções de carreira musical de qualquer tipo. Estive, em curtos períodos de tempo, em duas pseudo-bandas que não deram em nada e também deixei de passar dias inteiros a compor a minha própria música.

Não obstante é um passatempo que eu não largo. Há algo de inerente em mim que tem prazer nas pequenas coisas relacionadas a estes instrumentos e à música no geral. Por exemplo, obtenho uma peculiar satisfação em trocar as cordas de uma guitarra. Agrada-me o manusear da guitarra e toda a elaboração que é por vezes necessária na qual tenho de me auxiliar de alicates, afinador e uma mão cheia de doce paciência.
Também há algo nisto que apela ao maníaco-depressivo que há em mim, como a exilariante experiência de estar a afinar uma corda e, subitamente, alguma parte caquética da guitarra ceder sobre pressão levando a uma inevitável pequena "explosão". No furor da adrenalina causada pela surpresa do acontecimento (que em retrospectiva não deveria ter sido surpresa nenhuma) e pela dor aguda num ou mais membros do corpo, é com um misto de alívio e desilusão que olho para a minha mão e constato que, apesar do tom preocupantemente vermelho desta, não me falta nenhum dedo.

Sei que o moral desta história privada (se é que há algum tipo de moral nos meus devaneios mal construídos) aparenta ser "Não consegues fugir do passado". Mas vamos antes fazer de conta, porque é mais agradável e mais construtivo, que existe um moral e que este é "Maior parte das vezes isso não interessa desde que gostes do que fazes". É mais comprido e provavelmente menos universal, mas acho que consigo viver bem com isso.

2 comentários:

Pedro disse...

Gostei do texto. Depois mostro-te o poema que escrevi nele inspirado. (:

T disse...

Fuckin' A! =D
Se quiseres sabes onde está o meu e-mail.

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