terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Matrioshka

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Tenho estado a pensar e a pensar e como não consigo adormecer vou fazer o habitual que é escrever na esperança de evacuar a mente e conseguir, por fim, dormir.

Nas últimas horas tenho pensado em como aquilo que fomos na nossa infância determina em muito o que somos hoje em dia. Por exemplo, eu sempre fui uma criança bastante isolada. Foi até razão para preocupações consistentes por parte dos meus pais e dos professores. Nunca foi no entanto nada de gravemente preocupante, era capaz de estar em contacto com as outras crianças apesar de algumas dificuldades. Estas dificuldades também terão sido subvalorizadas, penso eu, por me ter tornado numa criança relativamente precoce no que torna à intelectualização, em grande parte por começar a ler compulsivamente assim que aprendi a tal. E, como é habitual nestes casos, entrei num ciclo vicioso em não estava com os outros da minha idade porque estava fechado no meu próprio mundo, a ler ou a ver filmes que não eram para a minha idade, e não aprendia como deveria estar com eles, e por sua vez o não conseguir estar com eles reforçava a minha necessidade de me fechar no meu próprio mundo. Fez com que me tornasse precoce na leitura, mas atrasado e débil em relacionamentos.
Estas dificuldades relacionais permanecem até hoje sob alguma forma e, num certo grau, estarão sempre presentes. Fazem parte da mecânica de quem eu sou. E tal é verdade em relação a muitas características que nós próprios e os outros que nos são próximos nos atribuem - dizem que já em pequenos éramos assim, sempre fomos.
Tenho pensado nisto porque acho curioso que, por outro lado, não somos as mesmas pessoas. Não me lembro de nenhuma forma em que possamos estar remotamente ligados às pessoas que éramos antes.

Por um lado, a matéria de que sou composto não é a mesma. Sou um ser recente. As células do nosso corpo renovam-se constantemente; as células dos meus ossos, dos meus músculos, da minha pele, não são as mesmas de há 10 anos atrás. Sou, na verdade, a cópia genética deteriorada de uma criança que existiu há anos atrás, e isto é verdade para todos vós também. Por isso, em termos físicos, somos criaturas diferentes das que existiram no nosso lugar.
Por outro lado, a nossa mente também não é a mesma. O cérebro que comporta aquilo que chamamos de consciência passou por várias transformações físicas e químicas durante o nosso crescimento, para não falar do acomular das experiências que construiram o que nós somos hoje em dia, o que significa que em termos de identidade, comportamento, e da percepção dos outros e de nós mesmos, também não somos de forma alguma a mesma pessoa que já existiu.

E é aqui que no meu monólogo idiota chego à conclusão que, em vez de uma história com princípio, meio e fim, somos mais como bonecas russas feitas de memórias de outros nós que já existiram. E esses outros morrem constantemente, a cada instante que passa, dando lugar a um outro que acontece sem nascer. Um clone imperfeito daquilo que existiu ainda há pouco.
E no entanto as memórias desse outro que existiu são as minhas memórias. Sinto-as como minhas, ressoam em mim como factuais e inegáveis. Para todos os efeitos, aquele era eu.

Enfim, isto é apenas mais um daqueles pensamentos curiosos que me assolam. Vou tentar dormir uma ou duas horas antes de ir trabalhar.
Até.

1 comentários:

Alter Ego disse...

Fiquei fascinada por este texto e acabei por pô-lo lá no blog, devidamente identificado.
Espero que não te importes.

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