terça-feira, 15 de setembro de 2009

"Se não fosse eu tão velho"

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Fui ao lar, visitar o meu avô. Estava no quarto dele, sentado a olhar pela janela, congelado no cenário. Podia ser mais uma das peças de mobília, sabe-se lá quanto tempo esteve assim. O Alzheimer comeu-lhe a vida.

Uma das senhoras que lá trabalha desempenha o papel do costume. Tem uma visita, veja lá se sabe quem é. Há anos que o meu avô se esqueceu de quem sou eu. Há muito que eu já desisti de insistir com ele e odeio que façam isto. Não sei se por medo de fazerem o velho sentir-se mal ou se por me relembrarem de forma mais viva que para ele é como se eu nunca tivesse existido.
É o seu neto, e os olhos dele pareceram acender-se de confusão e surpresa.

Fiquei de conversa com ele um bocado. O de costume. Ainda há algumas coisas que ele diz que fazem sentido, é preciso é fazer um esforço para apanhar o fio à meada. A maioria das pessoas nem se dá ao trabalho disso, são tudo delírios da demência. Mas ainda consigo ter uma conversa com ele, pelo menos nos melhores dias.

Despedi-me dele. Disse que tinha de ir embora e desejei-lhe as melhoras para a constipação.
Estava a dirigir-me para fora do quarto dele quando ele se despediu de mim dizendo Se não fosse eu tão velho, não me desmanchava daquilo que tu eras.

Pausei na ombreira da porta por segundos. Retomei caminho.

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