sábado, 13 de dezembro de 2014

O espelho


Contam-se pelos dedos o número de ossos que parti a esmurrar paredes. E tua cara lá pintada a vermelho, beijando em mudo as tuas eternas palavras. Um ódio que cresce, mas não aparece - a velha história do costume, com duas pernas que lhe falham e uma memória que já não é o que era. Para que fique acordado à espera de esquecer esta indigestão de sonhos. Este ouriço-cacheiro de lutas à flor da pele.

Deixa-me como a meia solitária no canto do quarto. Como o depósito de vinho barato no fundo do copo. Lançando desejos às costas de camelos para atravessar o Deserto que Sara deixou.



terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Pensamentos Divergentes (nº343)


um ódio à medida na boca
o aperitivo ideal para o prato principal
drogas, mulheres e um punhado de nada
tudo o que me possa manter no centro da estrada

ó, vê como os pássaros fazem pouco
de ti, de mim e de um azul sem fim
enquanto o turismo do amor engorda a cada dia
um revólver com apenas uma bala como seu guia

mas os dias acabam em pandeireta
só se ouve o fim quando ninguém toca

A(u)ditivo


Semáforo. Luz. Passadeira. 

Ninguém dava por nada enquanto enviavas o teu amor em tanques de guerra fazendo marcha-atrás por toda a cidade. Tentando fazer piruetas só com os cotovelos e meio bolso de fé. Como as centopeias de palavras que te habitavam o cérebro. Como as senhas varridas do chão do supermercado. 
Como a primeira vez que sentiste que um beijo não tinha sido uma arma.

Todo o vazio à tua volta para te dizer aquilo que já sabias. Todos têm uma canção entre as orelhas que mais ninguém consegue ouvir. E o problema não é morrer sozinho. É não ter quem a oiça a tempo.

domingo, 16 de novembro de 2014

Não procurar


Não me leves a mal. Aliás, não me leves de todo se possível. Estou bem onde estou e tudo aquilo que digo deve ser tomado em intravenoso: gota a gota e nada se a saúde o permitir.

sábado, 25 de outubro de 2014

Aeroporto


Só quando saíste é que dançou o pó que me alcatifava o pensamento.
Dois pássaros ou dois leões. Um animal contra o outro ou é amor ou morte. Nunca a indiferença do universo. Aquilo que chamamos de paz.

Descansa o atordoar dos lábios. 
Enquanto o mar pestanejar
haverão sempre salpicos a beijar as tuas pernas.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Deslize


Sempre seguindo os teus movimentos. Piso as tuas pegadas para que o chão por baixo de mim não rompa, afogando-me em doçura. 

Há quem diga mal do gelo. Da sua frieza. Mas há dias em que ele é a única coisa que nos mantém vivos. 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Menina Chorona


Lisboa vê-se encharcada em lágrimas. Sem saber se de rir ou de chorar, decide que o melhor é rir para não desabar. 

Enquanto isso, os ratos entram em desambandono por não terem nada flutuante para abandonar. Carros confusos travestem-se de jangada e chapinham em lagoas improvisadas, como calhaus com bóias de aprendizagem na natação. Sirenes histéricas uivam de minuto a minuto e o lobo avisa pedro que a repetição é que o vai danar. E na minha rua, os putos a cantar:

Chuva Chuva vai-te embora
vai depressa e sem demora,
Vai bater a outra porta
que a vizinha já está morta
Morreu de susto a coitada
depois de morrer afogada,
Chuva Chuva vai-te embora
que quem nada vai na hora.


sábado, 6 de setembro de 2014

Pensamentos Divergentes (nº 342)


Às vezes,
quando a terra vem ao de cima,
perco o chão.

Um travo a cereja no túmulo da boca.

Como as luzes que vêm ao nosso encontro,
que nem faróis à procura de um porto seguro.

Somos só contentores.
Vazios sem o saber.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

You said I was your beat.


O amor evapora como a água. Não damos por ele a desaparecer. Só quando ele deixa de lá estar.

sábado, 30 de agosto de 2014

Terminal


Segurei o Sol numa fotografia. Perdi-te logo a seguir.

Dois cigarros no casaco e uma frase mais usada que estas paredes de encosto que vadiam a cidade.
Ainda sou o mesmo. Mas ultimamente os meus ouvidos têm companhia. Neles mora uma música gloriosa que mal dá para ouvir.

Brindo à tua razão. O homem não muda. Só muda aquilo que escolhe para o seu copo.

domingo, 24 de agosto de 2014

O tempo será todas as feridas


Quis brincar por entre os átomos fixos do ar que nos é permitido. Escondido das parábolas de rédea curta que giravam em torno dos asnos. Eu, o fora-da-lei. O heróico anti-herói de metafórica espada na mão e capa ao coração. Masturbando vértices invisíveis nos cantos de um universo só meu. Passando os meus dias dias a respirar o vácuo e a soprar dragões de papel - monstros finitos de proporções mais finitas ainda. Tudo para te ver o não visto e me rever nesses olhos talhados pelo meu próprio insaber.

Inventor de palavras.

Caloteiro literário. 

Mentiroso no geral.

Tudo o que alguma vez quis foi tudo o que nunca me pertenceu. 
Assim será.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Celeste


Os dias passam como rochedos. Mordiscam os céus, que voam insossos num zapping celestial de quem só sabe o que não quer ver.

A saudade é pior carteiro do mundo.
Vem sempre amanhã.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Amor Polvo


Queria escarrar-te esse amor de volta. Esse amor veneno que decidiste atestar em mim, como quem mecanicamente conta o passar de batidas num mostrador invisível de vida em movimento. Esse amor que se agarrou no fundo, como um pedaço particularmente vingativo de uma pipoca  - e eu não tenho nem os dedos suficientemente compridos nem o reflexo de vómito suficientemente amestrado para o circuncisar de dentro de mim. 

Agarrou-se aos meus ossos. Um polvo de aflição que abriu toca no meu tórax. Às vezes trato-o até como um amor de estimação. Outras, inclusive, vem quando o chamo pelo nome. E fecho a janela para não ouvir o barulho lá fora.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Coisas Que Um Gajo Coiso (nº666)


Estar vivo é o único método comprovado de apreciação da futilidade de se estar vivo.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Gb6


Dez deuses em dez casinhas sonolentas, dormem nas periferias das minhas mãos.

Meus dedos esqueceram. Mesmo sabendo os acordes de cor, há músicas que se deixam de saber tocar sem o cálice da repetição.


Foste música. Foste musa. Saber-te-ei jamais.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Pensamentos Divergentes (nº341)


Agora é noite.

Nos estendais pousam dragões,
duendes de aflições
ainda por tocar.

E na rua, os candeeiros
tão toscos e ligeiros,
deixam estrelas por imaginar.

Lixo, latas e rafeiros,
viajantes e delatores rasteiros,
cantam bêbedos de vinho e luar.

Germinam amores.
Alguns, de todas as cores.
Fazem rodopios,
e definham ao girar.

Agora é noite.

Germinam sonhos
e horrores.
Chegam a casa em fios tristonhos sem rancores
como quem não os pode não esperar.

,.-


Tudo o que escrevo me aborrece.

Há anos que não falo. Esqueci-me de como falar.

Tenho uma língua feita de cinzas, brincando às escondidas algures no túmulo da cabeça.

Aqui jaz um pirata de agrafos no olho que lhe resta para não adormecer.

Aqui canta a senhora gorda, limpando o pó do palco vazio.

 Em alguma parte de mim escondo as palavras que preciso nascer.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Coisas Que Um Gajo Coiso (nº 665)


O mundo fica mais bonito depois de ver um sexagenário a olhar para o rabo de uma sexagenária.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Piromania


Agora é noite.

Entra no teu sarcófago de lençóis. Beija na fronte a tua luta, a guerrilha de arritmias em corações. Encerra os sonhos em cadeados e engole a chave. Deixa o estômago desejar por mais. O que o estômago anseia é sempre mais fácil de digerir.

Deixei em tua casa o papel inflamável das minhas emoções. Não te sei contar quantas. Nem quantas noites elas me têm trepado as costas em suores inversos. Como espelhos do caminho que as minhas sinapses percorrem ao lembrar-se de ti.
Lê, se quiseres, como quem acende um cigarro. 

Sempre tiveste de me pedir pelo isqueiro.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Passo em falso


Agarra-me pelos pulsos. Acorrenta-me a memórias inescapáveis. Torna-me abismo de pernas - asas de traça em fuga da centrifugação do abdómen dobrado.

Brinca. Cospe-me o teu ácido cítrico na boca e mastiga-me o olhar. Um paquidérmico Aleluia em queda livre.

Segura-me nos lábios.

Antes que caia no abismo.

sábado, 14 de junho de 2014

Pensamentos Divergentes (nº 340) - In Sonso


Minha querida,
minha pequena menina
vem ser o sal na minha ferida,
a minha injecção de endorfina.
Torna-te o tempero da minha crueldade,
o granizo que refresca o meu copo de tempestade.

Estala.
Crack
Esfuma-te nas minhas mãos.
Lambe-me a 5 micro milímetros da superfície dos meus lábios.
quero-te o mais longe possível do que pode ser a nossa proximidade.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Zombie T


Sacode o pó.

Roda o tornozelo.

Considera dançar o Thriller.

Pois bem.
Não sei se posso dizer que as notícias sobre a minha morte foram grandemente exageradas. Tenho no céu da boca um purgatório para pensamentos abortados à concepção. 

I need
some
brains.

Vou tentar desenrolar a língua sem que ela caia ao chão.


Coisas Que Um Gajo Coiso (nº 664)


"Será que um cego embriagado não vê a dobrar?"

terça-feira, 20 de maio de 2014

Conta-me, mas não contes comigo


Tenho pensado no estendal da vizinha de cima. Nisso e nesta tragédia que é só sabermos dizer a verdade a mentir. De usar estes fantoches que habitam a nossa boca para teatros de metáforas e pantominas de segredos óbvios.

Só queria falar para o boneco. 
É melhor que falar comigo apenas.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Desabafo de Menino


Saber que me fizeram assim. No meu reino, não há espaço para ser menos que o mundo. Dois dedos de conversa, uma testa inteira de falhanços para digerir durante a vida. Para a merda querer ser mais que merda, precisa primeiro saber que é merda, não é mãe? O problema foi não te ter dado ouvidos em tudo. Fosse eu igual ao fantasma que pariste nessa memória sonhada por todas as mulheres que sofrem por nossa causa. Ingratos desde o primeiro pontapé. Cagamos desilusão desde a primeira fralda e nem o sabemos se não nos for dito o resto da vida. Serei sempre menos homem. Menos gente que aquilo que devia ter nascido de gente.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Carta de inacção


Não te sei dizer quantas vezes te escrevi isto na esperança de não ter de o dizer.

É essa sombra que te empurra pelos ombros e que te faz achar que é boa ideia continuar a viver. Como os batuques dos vizinhos de cima que de assaltam o coração fazendo-te voltar à terra. É essa dormência na alma de quem te engana a continuar a engolir a sanidade a seco.

Faz uma eternidade que começou. E ainda não te ouvi a gritar.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Coisas Que Outros Gajos Coisam Sobre Mim


A propósito do cariz melancólico do meu gosto musical:

"Engraçado que gostas mesmo de desafiar a morte. Mesmo nas músicas que ouves".


quarta-feira, 2 de abril de 2014

segunda-feira, 17 de março de 2014

Pensamentos Divergentes (nº 339)


Este universo
é quase todo
feito de nada.

Ainda assim,
eu rebolo até ti
e tu até mim.

O sentido das coisas,
é elas não fazerem nenhum
E mesmo assim,
a sua repetição ser encontrada.

domingo, 16 de março de 2014

Camisa de noite


Por entre os dedos dos pés, é onde começa.
Mas a chama acende e sobe pelas veias. Vai às cavalitas até morrer pela ganância das alturas.
E eu enterro-a na minha cabeça. Coloco as cinzas numa caixa de sapatos e faço-lhe um pequeno funeral entre as paredes do meu crânio, para que todas as noites me acorde em sonhos a galope - um post-it de adrenalina para me lembrar que podia estar morto.

A vida tem mangas curtas para os meus braços.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Fechado na sala


Sempre que abro as janelas, fecho as portas a um romance.
As duas só sonham em estar juntas. E eu, asmático de amor em solidão, insisto em quebrar o namoro com muros de ar e som.
Devia acorrentá-las uma à outra. Mas nunca acreditei em finais felizes. E podia dar-se a tragédia de os escrever.

terça-feira, 4 de março de 2014

Pensamentos Divergentes (nº 338)


Dou graças a deus, Mulher
por estas cotoveladas de felicidade que me fazes sentir sem aviso.
Fosse deixado aos meus próprios estratagemas sem outro afazer,
e nunca teria descoberto o tédio
como o mais elevado prazer.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Books of lies stacked either side


Aconteça o que acontecer, espero manter a minha compostura enquanto faço um espectáculo do meu inevitável esgotamento nervoso.

domingo, 2 de março de 2014

Coisas Que Um Gajo Coiso (nº663)


Cheguei ao fim de um dia de trabalho à minha rua. Dez da noite. Um vizinho deu-me o cêntimo de conversa habitual. Perguntou-me como ia tudo. Em vez de responder com a constatação "Mais um dia", saiu-me "Menos um dia".
Estou a ficar velho.

Pepitas de fome


"Há amor aqui" disse o velho.

"Há amor aqui para nos inundar, uma veia de amor por descobrir".

Mineiro. 
De amor. 
Escava o seu buraco na terra até não ver um palmo à frente dos seus senis olhos por acreditar que o amor é cego.

E eu, canário de ilusões, a única coisa que faço é musicar inspiração. 
Até ao dia.

Tivesse braços, pegaria eu próprio na picareta.

E matava o velho antes que fosse tarde demais.

Ponto de luz


Da quarta vez que falámos um com o outro, preparei-me para a tua inevitável morte.

Da quinta, para a minha.

São coisas que acontecem quando levamos toda a nossa idade à cintura. Faz parte da migração natural dos anos.
Primeiro, pesam-nos nos pés e começamos a andar neles, espezinhando-os à vontade.
No fim, levamo-los todos às costas e curvamo-nos perante as evidências.
Mas pelo meio... pelo meio fazemos tudo para que o futuro não cresça. Como se soubéssemos que nunca mais a nossa vida iria estar tão perfeitamente centrada.

Ainda me lembro das vezes que testei a hipótese até descobrir que foder não bastava para levar à minha aniquilação total. Que aqueles breves momentos de inexistência profunda seriam sempre passageiros - à procura de estação.

E se eu fosse mais como tu, também seria essa traça auto-imolada correndo atrás de si própria. Cada bater de asa reanimando o interior em brasa, extinguindo-se a si mesma.
Uma vida curta e luminosa. Como é suposto as vidas serem.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Pensamentos Divergentes (nº 337)


Vi-o a atravessar a estrada
e mesmo do outro lado, com ele me cruzei.
Esse eu de mim que não me traz nada.

PAZ!
não é sinónimo de descanso,
mas sim o barulho da minha alma quando embate:
o tom natural que é o meu estado de ataque.

Porque a ausência de conflito
é o que a mim me deixa aflito.
Preciso sempre de ser o ponto inerte
de tudo o que se destrói à minha volta.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Sem factura


Cai-lhe a água na cara. Amontoa ideias como quem constrói Legos. À espera de um barco pirata o leve para um império além-mar.

Queria que a parte mais interessante do meu dia fosse mais do que a fila da caixa do supermercado. Mas a poeira das cordas da guitarra ainda não me faz asma.
Vou dormir mais um bocado.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

É a pronúncia do norte


Querida Lisboa,
Tenho de te confessar que, neste Dia dos Namorados, fui namorar o Porto.
Foram só 4 horas, nada de sério. E já voltei para ti.

Mas devo ser justo e dizer-te que não sei se ainda gosto de ti da mesma maneira.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Pensamentos Divergentes (nº336)


Não sei como tem sido a tua vida.
Que coisas nos aproximam ou afastam.
Nem sei se te posso chamar de irmã ou irmão
sem que me julgues invasivo ou mesmo Bob Marleano.
No fundo, não sei de ti se não
o que poderei saber de qualquer ser humano.

Só sei que de ti, espero o melhor do mundo.
E que de mim, espero apenas acreditar
no que de ti quero esperar.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

On the rocks


Whisky novo, uma pedra de gelo. Quase vinte-e-oito anos à espera. Dá-lhe o primeiro trago.
Chamamos-lhe "trago", porque esperamos que ele nos traga algo.
Quase vinte-e-oito anos.
Segundo trago.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

The Quint of my can


Despejar o meu coração é tudo o que quero fazer. E todos os dias queria-te pedir desculpa por só o conseguir fazer desta forma fria, com a formalidade de quem preenche um inquérito enquanto espera que alguém chame a sua senha.

É que isto de sentir, para mim, é como qualquer outra dieta ou regime. É tudo uma questão de rigor.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Pensamentos Divergentes (nº335)


Se um dia
esta poesia
ou espécie de cacofonia redundante
me entrar de rompante pela porta,
alguém que me espante o grilo falante
- que o espezinhe, esfole e deixe a casca morta,
que chame a sua mãe para descompor o agiota,
qualquer coisa que deslembre
ou desmembre a reles rima que ele arrota.
É que a cepa já vai torta
e é certa a hora, como agora,
em que já ninguém o suporta.

Pensamentos Divergentes (nº334)


Sempre que o tempo pára,
olho.

Não é a mão que se move
nem o corpo que se agita.

É a folha de nada lá fora.
E eu olho.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Pensamentos Divergentes (nº333)


Não entendi se falavas português,
ou qualquer outra melodia incompreensível.
Como se as tuas palavras fossem chaves de ouro
e os meus ouvidos não tivessem a forma correcta para as ouvir.

É que eu não acredito em anjos.

Louvor


A parte difícil não foi dizer adeus. Foi dizer tudo o que não fosse adeus, naquele momento em que todas as coisas se tornam claras. E ao fazê-lo, perdem o seu sentido.
E eu que sempre fui uma flausina dos tempos vagos, um romano erguendo labaredas fúnebres aos deuses do desespero. E mais outras metáforas presunçosas que o tempo me permitiria ter se não fosse curto o meu talento.
E tu, uma paz de alma. Sempre descansada. A Santa Imaculada da Paciência. Sempre calma, sempre composta. Foda-se, não imaginas como isso sempre me irritou, mãe. Tu e a merda da calma. Dizias que a irritação era desnecessária, que tirava anos de vida. De que te serviu isso afinal? Morta e enterrada na porcaria do chão. De que te serviu a calma? Morta aos 54 anos, todos eles à espera de ser nascida. Nunca vi uma emoção tua maior que o zumbido de uma melga anémica. E eu a fazer merda desde que te chegara aos joelhos. Para ver se ressuscitavas, se arrancava de ti o mínimo murmúrio de ira - de qualquer tipo de paixão - que provasse não estarmos a ser criados por um robô. Afinal, como toda a gente sempre disse, eu saí ao pai não é? E foi por tua causa que ele nos deixou, mãe. Nem consigo imaginar como terá sido para ele tentar reanimar o coração de um cadáver, deitar-se todas as noites ao lado de uma mulher frígida do corpo até à alma.
Ele deixou-nos. E tu deixaste-nos quando? Nem o luto foi algo que me deixaste. Foi preciso chegar este momento para saber que da minha mãe, ou noção de uma, já eu tinha lamentado a perda. Há muito tempo.
Vai para a merda, mãe. 
Descansa em paz.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Carta que a Musa me escreveu


Faz isto.
Faz aquilo.
Não é nada disto.
É isto mas não chega.

Birrinhas de merda, é o que és. Ando eu aqui a tentar fazer algo pela espécie de coisa a que chamas de vida enquanto tu fazes o check obrigatório aos dias que passam.
Fizeste o teu trabalho? - Check.
Viste o correio? - Check.
Limpaste a cozinha? - Check-mate filho da puta, que até a merda do microondas limpaste canto-a-canto. Que é que tu queres mais? Escrever Os Lusíadas do séc. XXI de trás para a frente em pé numa Moto 4? Vai dar banho ao cão! - Check.

Não me chegam os dedos nem os solavancos na boca para dar carta às tuas exigências. Estás à espera do quê? É quase uma da manhã: vai para a rua mudar o mundo com a tua meia dúzia de rimas e o teu Só-Li-Dó. Mas espera, fica mais um bocadinho! Vais com tanta pressa para a onde? Para a cova? Ou pensas que vais renascer um gajo melhor, qual fénix que se ergue da bosta? Solo se vive una vez, aiaiaiaiaiai.

Ainda vais acabar na calçada com meio-chinelo no pé que te resta, como o sem-abrigo na Avenida que a esta hora declama a sua demente poesia a qualquer grupo de estrangeiros com um doze avos de português e que estejam para o aturar. E tu aqui de papo para o ar a resmungar com a alma que tens, porque nem o mundo inteiro de mão beijada te chegava para enganar a fome, a ganância, a gula ou o que tu lhe quiseres chamar. Mas olha, pega aí no dicionário para ver se encontras um sinónimo mais erudito para gula. Ou queres passar por parvo em frente da meia-dúzia de gatos pingados que tentam dar noção aos teus tristes devaneios que não são mais do que fruto do acaso? Nem a merda da cara és capaz de dar, como um cobarde que se esconde por detrás de um muro de palavras só para ver se a frase seguinte consegue esconder um pouco a verdade da anterior. Pim.

Não vai, nem racha. E achas que entretanto, por o teu coração se acalmar, que o trabalho está feito. Porque deste a esta febre de escrever aquilo que ela cria. (Verifica as vezes que quiseres, a última palavra não é um erro). Porque deste cedência de passagem a esta máscara que não é se não uma compulsão. E ficas satisfeito, porque há quem o tome por uma coisa chamada de Arte

Quando tudo isto é pânico. 
Tudo é ilusão. 
Nada mudou. 
Tudo se destrói.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Coisas Que Um Gajo Coiso (nº661)


É sempre a mesma coisa. Um gajo começa o ano com o pé esquerdo e passa o resto do ano a saltar ao pé coxinho com o direito a ver se equilibra.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Pensamentos Divergentes (nº332)


Eu disse que via as vantagens de uma vida bem vivida.

Não disse que as via para mim.

Por isso antes que me falhe a voz, ou a laringe, ou um rim,
a propósito do meu estilo de viver
e dos meus limitados mas marcantes vícios,
tenho apenas para vos dizer dizer:

Aprecio as vossas preocupações e antecipadas condolências.

Mas estou a fazer patinagem artística nas carcaças de sapateiras gigantes
enquanto conto num relógio de segundos sem segundas intenções,
as minhas abstinências de sono
                              mas nunca as de sonhos e suas seduções.

Esses, pingam-me periclitantes da testa
sempre que o dia-a-dia me baixa os seus calções.

Corrida


Enquanto tu saltavas trampolins em fogo, eu era um cavalo com três pernas. E apenas uma delas era para correr. Todo eu era tudo o que bafejava quietude, quando por dentro só respirava fugir. E tu esmagavas o crânio de gafanhotos na tua mão por tentarem alcançar mais o céu que tu. Por se atreverem a imaginar ter algo que tu não tinhas, como se alguma vez tivesses vontade de o ter. E isso fez com que todos se apaixonassem por ti, como soluços de atacadores soltos pelo caminho. E todos te queriam perto por irradiares essa força interna que parecia aquecer os outros à tua volta e dar um novo cobertor para tapar os olhos à vida. Até mesmo eu. Porque de todas as emoções, a crueldade é a mais forte das que não se sentem.

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