entre soluços de futuro incerto
nova vida
nova morte
o que faço o que faço o que faço o que faço o que faço o que faço
(puxa os atacadores
olha a audiência)
num palco de dor pronto a salivar
a dança que faço é uma chave que se contorce
tc-tc-trac
é medo que me move?
ou um holofote de enxaquecas de falsas revelações/
não gosto de amarras
mas o seu conforto dá descanso ao maxilar
(faz uma vénia
observa o horizonte final)
sei tudo num momento
e o momento foi-se.
Saudades
de fumar
de não vestir um fato que disfarça um facto,
a consciência livre ,
de que cada segundo de existência
é ridículo.
É no reflexo da morte que me vejo mais lúcido.
Que egoísmo.
Viver para lá da insignificância
para usufruir de mais um amor, mais uma amizade, mais um copo.
Como tudo devia ter acabado antes do começar.
Porque depois do começar
já só há um infinito.
cada palavra que alguma vez disseste
é um condutor solitário.
mãos no volante e linhas verticais no horizonte,
pedal a fundo, luzes rubi,
cantando desde criança como se fosse oração
"queria estar noutro lugar que não aqui".
desde sempre que a água me chegava aos pés e parecia que afogava.
não havia salpico que não merecesse pânico.
uma constante sensação de um terror iminente, com noites sem dormida num quarto sem guarida.
é que alguns de nós saem do ventre e só conhecem o esventrar. cotoveladas de amor pelo caminho, cantigas de carinho no focinho e um punhado de sonhos para constelar.
e não é minha natureza. mas juro por tudo.
queria amar-vos a todos.
amar-vos como se ama e como alguns amam sem pensar.
amar como se respira, como se fosse intuição e sem que eu tenha de me ensinar.
amar como se fosse fácil.
como se fosse. inevitável.
mas o meu coração foi afagado em cimento
por homens com mais calos que eu e que usam máquinas em constante movimento.
e os dedos que uso são os dedos que escrevo,
mas dedos não chegam para escavar o pavimento
quando os joelhos esfolam no chão e todos vão olhar e ver só o não cabimento.
queria estar noutro lugar que não aqui.
não ter no sentimento esta lixa nem este rancor.
talvez aí pudesse estar ser melhor.
não há guerra que traves que não tenha um trago a doçura
e eu aqui sem nada para oferecer se não linhas de costura num rosa fluorescente
vibrando em dores antigas disfarçadas de sabedoria - temporariamente
mas tu vais ver em breve
que tudo o que o tempo leve
nunca foi teu realmente
e não vale a pena fazer frente
porque o que eles dizem não se escreve
quem é este que escreve
que não te via há tanto tempo
estás velho
e esse tumor no cérebro que antes seria uma egocêntrica metáfora
e agora é apenas um diagnóstico?
está tudo bem
mas nunca esteve bem
diz-me lá, quem fazes de conta ser
fugindo deste que ainda, ocasionalmente, te assombra
qual de nós o real
e qual o funcional?
está tudo como tem de ser
e tu vais sobreviver
revisitas porquê o fantasmas?
precisas de velhos mecanismos de defesa?
"é porque pensas demais"
"é porque bebes demais"
"é porque não cuidas da tua cabeça"
queres abrir a porta, jorrar tudo para fora, ver o que as palavras te trazem quando as enxovalhas e as arrastas por cima do teu ser, para ver no papel o que elas tiraram de ti e te observares ao microscópio porque foi a única forma que descobriste de te descobrir - como um carimbo de angústia no qual te debruças para ver se é mesmo em angústia que escreves ou se é algo mais.
mas basta isto. isto para que te odeies. para ver o narcísico em ti. a herança que não queres.
não te queres sentir esperto.
não te queres sentir maior.
quem é este que escreve.